19 outubro, 2008

quero não valer nada

Às vezes queria ter a capacidade de me importar com não me importar com nada. Queria não valer uma palha. Mas não consigo.

Sempre vou valer alguma coisa, pois
sou o preço da liberdade que pago, das brigas que compro, dos sentimentos que economizo. Não posso valer nada. E mesmo que não valesse coisa alguma seria infeliz. O que eu quero não é valer nada, é a felicidade dos que não valem nada. Quero a felicidade deles que são tão vãos e que parecem tão livres.


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18 outubro, 2008

Provérbio Cigano

Quando eu morrer enterrem-me de pé, pois passei minha vida toda de joelhos. *lido em A Bruxa de Portobello, de Paulo Coelho.
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17 outubro, 2008

A cegueira, sem ensaios.

Na vida o que existe são fatos, mas o que importa são os detalhes. O primeiro fato é o seguinte: você consegue ler. Com os olhos nesse texto você decifra as palavras e compreende a idéia - você vê. Tudo é muito claro no que se apresenta a sua frente: as folhas brancas de papel, as mãos suadas que a seguram, os rostos das pessoas, garfos, pratos, chão, sol, céu. Tudo é perceptível. Mas existe só um pequeno detalhe: você não enxerga.

Você vê a rosa, mas n enxerga os espinhos. Vê os sorrisos, mas não enxerga a solidão que eles demonstram. O sol é lindo, mas explosivo. O ar é puro, mas não é limpo. Você vê somente a superfície. Há mais ao alcance dos olhos, se você se der ao luxo de tentar encontrar. É tudo igual, nada muda. Exceto que a rosa, não é só a rosa: é a primavera. O sol não é só o sol, é a galáxia. E as pessoas não são sorrisos e lágrimas, são sentimentos.

E convenhamos, pouco importam as rosas e o sol e muito menos os garfos: são as pessoas que interessam, são pra elas que você vive; e mesmo que você seja um hermitão solitário você vive pra si mesmo e ainda assim a afirmação anterior se confirma. Quando foi a última vez que você viu seu melhor amigo chorar e não teve sequer que perguntar o porquê? Quando foi que sua irmã sorriu e você já sabia o motivo? Quantas vezes você percebeu a angústia por trás dos abraços ou as lágrimas que contém um aperto de mão?

Tudo isso nos leva ao segundo fato: você é cego. E embora seus olhos estejam abertos você os fecha para tudo aquilo que machuca ou que dá um pouco mais de trabalho ou que não chama sua atenção de forma violenta. O que quero dizer é que você não nota o mendigo na esquina, por quem você passa todos os dias, até que ele te aborde com uma arma. E mesmo quando isso acontecer você não vai ser capaz de perceber que ele não quer morte, ele quer comida.

Muitas coisas escapam aos olhos a princípio. E é importante saber disso. Mas da mesma maneira que abrir os olhos não significa enxergar, ter consciência não implica compreender. Porque quando você começa a compreender, chegamos ao terceiro fato: você pode enxergar. Ninguém precisa apreciar toda a primavera. Pra quê? A singularidade de uma única rosa a faz admirável. Mas a percepção de que ela é uma parte de uma estação anual é incrível. De que adianta observar a via láctea se é o sol que vejo todos os dias, a mesma esfera amarelada a me aquecer todas as manhãs?

Enxergar não é ampliar a visão. Enxergar é escolher. É admirar o sol sabendo que ele ilumina a tantos outros planetas além do nosso. É saber que o abraço não é só un enlace de abraços - é saudade, é alegria ou mesmo brincadeira. Enxergar é perceber possibilidades. E a triste verdade é que sempre seremos parcialmente cegos, porque nunca conseguiremos enxergar todas as possibilidades. Afinal, enxergar é escolher e escolhas são perdas. Mas ninguém precisa ver tudo. Pra admirar toda a primavera tudo o que você precisa é de um par de pupilas e de uma única flor diante delas.

O mendigo da esquina agradece.

* escrito depois de assistir 'O Ensaio Sobre a Cegueira', com direção de Fernando Meirelles, baseado na obra de mesmo nome de José Saramago.