05 setembro, 2010

Como se

Conheci uma pessoa que vende o corpo pra sobreviver. Ela se aproximou na esperança de conseguir um cliente; eu, na experança de conseguir um amigo. Agarramos no papo e descobri que ela morou num orfanato quando pequena, não conheceu a mãe (nem quero conhecer, adicionou). Não é de São Paulo e se vende pra pagar a diária do hotel, de 40 reais. O hotel não oferece nem café da manhã. Alguns dias não consegue programa. Na semana passada, dormiu 2 dias na rua.

O papo foi seguindo uma intimidade relâmpago foi se instalando. Sentados num sofá, abracei suas pernas (no início flexionadas, depois esticadas preguiçosamente sobre as minhas) e logo, agindo com um calor como se eu fosse alguém que ela conhecia há muito tempo, sua cabeça estava no meu colo, as pernas esticadas sobre o sofá.

Comecei a mexer no cabelo, de um corte um tanto incomum.

- Tá com sono?

- Não, não estou.

- Tá dormindo?

- Não.

Parei de mexer no cabelo.

- Não pare! Faça mais um pouco, só mais um pouco.

15min depois, ela dormiu.

Pensei que talvez ela não recebesse um cafuné há muito tempo. Pensei que ela nunca recebeu um cafuné da própria mãe e esse pensamento me deixou triste.

Fiz cafuné na prostituta por 1h30min.

Precisava ir, então a acordei. Os olhos abriram preguiçosos e me viram. Levantou, se aprumou, sem sequer olhar pra mim, fria como uma lâmina, como se eu fosse alguém que ela nunca tivesse visto na vida.

Me aprumei e não sabia bem como me despedir.

Pedi que ela me acompanhasse até a porta. Lá, parei e tirei do bolso algumas notas. 22, 24, 26 reais.

- Para que é isso?

- Para as despesas do hotel. Ou para o café da manhã.

Subi os olhos e vi dois pares de olhos marejados me olhando, um fio de calor e proximidade se esgueirando por trás do olhar.

- Eu...eu...

A fala não saiu. Talvez ela nunca tenha ganhado dinheiro sem ter que prestar serviço. Talvez nunca tenha visto um ato de generosidade.

- Não tem problema, respondi.

Meus braços formaram um abraço e a envolveram. Ela segurou me segurou, os braços envolveram meu corpo, mas ela não tinha me abraçado de volta.

Nos separamos e os olhos frios, duros, estavam lá de novo.

Ela pediu meu telefone. Eu dei.

Ela, com a certeza de que nunca ligaria. Eu, com a mesma certeza.

Cheguei em casa. Me senti culpado por tudo. Eu me preocupando em comprar video-games enquanto alguém tinha que vender o corpo pra não ficar na rua. Pensei em arrecadar roupas, sapatos. Não tinha como falar com ela, porque ela não tinha telefone.

Milhares de pensamentos, como se eu tivesse o poder de mudar o mundo.

Coloquei a cabeça no travesseiro e demorei a dormir. Rezei por ela, por mim, por todos nós.

Sonhei com ela. Eu a via na tv, concedendo uma entrevista sobre a grande empresa da qual era dona. No sonho ela era tão bonita quanto pessoalmente.

Admirei a beleza e a competência dela. Desliguei a tv e fui trabalhar, com uma sensação de paz.

Era como se nunca tivéssemos nos conhecido.