23 novembro, 2008

Tempo sentido

A noite tinha sido planejada. Como aquelas em que tudo deveria dar certo, em que tudo conspira pras coisas acontecerem como queremos. Passei no mercado antes, comprei comida. Muita comida. Salgadinhos, Aperitivos, Bolachas, Coca-Cola. E a água que você me pediu. Peguei o metrô, te encontrei, você me elogiou. Que saudades de você!

A noite tinha sido planejada. E começou a dar errado como só nas noites planejadas isso acontece. Você me contou o seu passado. Eu perguntei, eu quis saber. Mas a verdade é indigesta e demora um pouco pra ser internalizada. Você não quis esperar.

Fica, eu pedi.

Fica... eu implorei.

Você fechou a porta e não olhou pra trás. Não olhou pra mim.

Olhei ao redor: travesseiro vazio, sua água, comida. Tudo que eu não queria ficou. E eu fiquei com tudo que eu não queria. Sua água era meu objeto predileto, ali você tinha bebido, ali você tinha tocado. Por um instante a água havia sido sua. Mas já não era mais.

Assim como eu.

A dor evadiu e saiu pelos olhos. Eu chorei.

Chorei olhando pra garrafa de água que havia sido sua. Chorei porque eu era como a garrafa, de ninguém.

O tempo foi passando. A dor não. Minutos, horas. Ficar era um sofrimento, mas eu não queria ir. Queria ficar mais um pouco onde você estava, onde você esteve. Rolei pro seu lado da cama. Estava frio. A garrafa, sempre lá, me lembrava de chorar por você. E foi o que fiz.

Mais minutos, mais horas. O tempo se foi. E o tempo é um problema pra quem sofre. Embora o problema não seja o tempo passar. Nem o tempo passado.

O problema é esperar você voltar a cada minuto. É ver a sua ausência a cada hora que passa. É ver a sua garrafa d'água. Só a sua garrafa d'água...e não ver você. O problema é sentir cada minuto, cada hora. O problema é o tempo sentido.

Viver sem você dói. E eu mal te conheço.

Ainda assim a noite passou, o dia chegou. Tomei um banho quente.

Joguei as coisas na mochila d qualquer jeito. Peguei sua garrafa d'água. Olhei ainda por um longo instante. Saí d cabeça baixa. Chorei no caminho d volta.

Ainda penso na garrafa e na constatação que tive quando olhei pra ela pela última vez: não tinha sequer um vestígio de você.

E assim são as pessoas. Deixam vestígios invisíveis por onde passam, nas garrafas onde se deleitam ou nos corações onde se instalam.

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