27 julho, 2009

Miserável

Lavar roupa suja (no sentido figurado da palavra) é talvez a coisa mais patética e constrangedora que uma pessoa possa presenciar. Pois é, eu presenciei e foi no ponto de ônibus perto de casa. (Sempre o ponto de ônibus...).

Um casal de mendigos, um revoltado com o outro. O homem xingando a mulher dos piores nomes depreciativos, ela replicando que quem era tudo isso era a mãe dele, não ela.

Comecei a sentir pena dela. Estava um frio horrível e ela estava com uma calça LEG com o final na perna de fora. As mãos estavam encardidas, as pontas dos dedos pretas como piche. Vendo os dois insultando um ao outro, me deu pena. Além de miseráveis, eram infelizes. Como se por um capricho da vida a privação de quase tudo e a sujeira no corpo não bastassem, era necessário também deixar o coração e a mente no mesmo limite físico que o corpo. Como pode a miséria não ser castigo o suficiente?, perguntei a mim mesmo.

Então ela se aprumou onde estava sentada e eu a vi: a garrafa. Ahhh, agora faz sentido, concluí. É o conflito causado pelo álcool, a guerra da bebida, os peixes morrendo pelo boca, como diz o ditado.

O homem, ainda dizendo palavras ofensivas, se afastou. A mulher continuou sentada, respondendo e logo se cansou. Em seguida, afirmou em voz alta que não queria falar palavrões porque tinha muita gente ali. Se levantou, com esforço apoiando-se nas duas pernas. Pegou a garrafa, caminhou e ia se afastando, levando consigo toda a nossa reprovação.

Então parou. Olhou no fundo dos olhos de um casal que estava parado a sua frente, abraçado. Levantou a mão e expôs a palma da mão para o casal, os dedos para cima, num claro gesto de interrupção, como se pudesse dessa maneira parar a repreensão e constrangimento que todos sentiam. Em seguida, disse: "Me desculpe, por isso. Por favor, gente, me desculpe". A mão se abaixou e a mulher se retirou pisando firme, o recado dado ao casal percebidamente valendo para todos ali.

Ela não cambaleava, não falava arrastado. Ela não estava bêbada, afinal. A conclusão foi baseada principalmente no pedido de desculpas final. Uma pessoa alterada pela bebida não fica com a cabeça no lugar, não mostra humildade, não pede desculpas. Ela se foi e a pena que eu sentia dela voltou.

Funcionou, pensei. A mão erguida dela barrou em mim o julgamento injusto que eu fazia da mulher. E no momento em que a mão recuou-se e fechou, ela já carregava, como tanto desejou, o meu perdão.

Porque, diabos, a miséria realmente já é castigo o suficiente.

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