19 julho, 2009

Vergonha respondida

Já fui acusado muitas vezes de não ter 'vergonha na cara', de ser 'descarado', de não expressar minha raiva e minha dor, de não explodir.

Eu discordo de tudo.

Pra mim, muita gente confunde falta de vergonha com senso de compreensão e mais pessoas ainda misturam auto-controle com apatia.

Já passei por 2 mudanças de casa em pouco tempo. Em ambas, fui expulso por gente do meu próprio sangue. Hoje, depois de períodos conturbados, falo quase normalmente com as duas. É verdade que nada é como antes, porque os amores platônicos e as admirações ingênuas só duram até o primeiro baque. Mas quando pilares caem, torres se erguem e eu, como um castelo, fiquei mais fortalecido.

Claro que foi um período extremamente difícil. Fiquei muito triste, muito decepcionado. Então lavei meu sofrimento com lágrimas e puni os expulsores com o meu silêncio. Até eu finalmente perceber que os gritos ensurdecem, mas apenas temporariamente. O silêncio, por sua vez, fere discretamente por uma vida inteira.

De qualquer maneira, pra mim uma voz que se cala é sinônimo de uma pessoa que morreu, então logo não aguentei mais não falar e os diálogos (re)começaram. O progresso vem daí: do esforço, da iniciativa - e por que não - da sua capacidade de suportar e ir em frente, mesmo que afligido pela dor.

O fato é que, desculpe, não me sinto sem vergonha ou descarado. Me sinto maduro e, acima de tudo, humano. Afinal, quem entende mais tem que saber compreender quem entende menos.

E pra todo mundo que ainda questiona o porquê de eu falar com quem me causou tanta dor, ou agir como se nada aparentemente tivesse acontecido, leia o texto abaixo e atente para a resposta do Monge, porque ela é também a minha.


O Monge e o Escorpião

Monge e discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora, o bichinho o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente no rio. Foi então a margem tomou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião e o salvou. Voltou o monge e juntou-se aos discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.

"Mestre, deve estar doendo muito! Porque foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o salvara! Não merecia sua compaixão!"

O monge ouviu tranquilamente os comentários e respondeu:

"Ele apenas agiu conforme sua natureza, e eu de acordo com a minha."


Tá bom pra você?!

Nenhum comentário: