12 novembro, 2009

Forte

O cachorro do meu irmão morreu.

Essa foi a notícia que recebi quando cheguei em casa, vindo do trabalho. Fiz algumas perguntas vagas, como se a minha displicência fosse me afastar de algum modo da consciência do fato. Foi em vão. Ficamos imersos na morte do cão.

Aí chegou o amigo do meu irmão, chamado exclusivamente para ajudar a carregar o cadáver do cachorro. Algumas introduções, algumas piadas, o convite. A resposta? "Desculpa, não vou por a mão nele não".

Meu irmão foi até a casa do cão com uma lâmpada, para ajudar a iluminar o local. Voltou logo. "Não vai dar, não vou conseguir, é muito triste" voltou ele dizendo, derrotado.

De repente, eu cansei. "Vamos lá então", disse eu. (Seja forte, seja forte...)

Na casa do cão, quando a luz quebrou a escuridao, lá estava ele. Era um Pit-bull, cara ameaçadora, dentes afiados, desconfiança plena de tudo e de todos. Mas já não era nada disso. Os olhos opacos eram meigos como nunca tinham sido em vida; as patas encolhidas, a boca aberta, os olhos apreciando infinitamente o asfalto.

(Seja forte, seja forte).

Dei um passo à frente. Me animei com a perspectiva de retirá-lo dali, como se fosse uma homenagem póstuma, uma aproximação, ao cão que por toda a vida tinha afastado todos de si. Cobri o cão com um lençol e a partir daí o incomodo melhorou. A dor diminuiu. Até agora não sei bem ao certo se fiz isso pra não ver o cão ou se o fiz para não ME ver no cão. Esse é o grande problema com a morte: há uma empatia involuntária.

Continuei sendo forte e comecei a movê-lo. Meu irmão saiu do choque e me ajudou. Pusemos um saco de lixo na cabeça, em direção ao rabo. E depois outro, no rabo em direção à cabeça, para selar o corpo. Olhei para o corpo. O cão no saco preto. Um dia todos seremos isso: uma massa rígida dentro de um saco preto.

Fui forte, comemorei. Fui forte. Ajudei meu irmão a levar o cão morto pra um veterinário, onde seria incinerado. Fui forte.

Cheguei em casa e fui logo dormir. Com a cabeça no travesseiro, me ocorreu que eu não havia fechado os olhos do cão. Sepultado de olhos abertos.

Seja forte, seja forte. Não consegui.

Lembrando de olhos eternamente abertos, o peso mórbido da morte me atingindo, fiquei com meus olhos abertos até tarde da noite.

Meu travesseiro ficou lavado de lágrimas.

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